Entrevista ao músico Miguel Gizzas

Miguel-Gizzas

 

“Até que o Mar Acalme”, uma viagem pelo universo da escrita  e musica de MIGUEL GIZZAS, o seu segundo trabalho, em disco e em livro, cada canção do álbum é um título do livro. Musica Totalfalou com o músico.
Como foi o início da tua carreira?
A minha ligação à música existe desde que me lembro. Os meus pais cantavam num coro, nas festas lá em casa a música era uma constante, todos acabávamos a noite a cantar as músicas da época.
Ainda em miúdo entrei para os Pequenos Cantores de Lisboa, onde permaneci por 11 anos.
O meu tio tocava guitarra. Quando emigrou para os EUA, deixou a guitarra em casa dos meus avós. Tanto eu como os meus irmãos e primos (eramos oito, no total) pegámos naquela guitarra e aprendemos a tocar. Todos, sem exceção, uns mais e outros menos, tocamos guitarra.
No dia em que fiz 30 anos estreei-me a tocar profissionalmente em bares. Por aí andei durante 10 anos, até lançar o meu primeiro CD.
– Quem são principais influências musicais?
Tendo vivido intensamente os anos 80, e tendo esta década sido tão musicalmente marcante, trago comigo muitas influências de bandas ou artistas que se atingiram o seu auge nessa época, algumas ainda antes. Bob Seger, Bruce Springsteen, Bruce Hornsby, Jeff Beck, Roger Waters, Leonard Cohen, Dire Straits, Queen, Pink Floyd. Atualmente, admiro a versatilidade em palco do Robbie Williams, Michael Bublé, e o som de John Mayer.
– Como surgiu esta ideia de juntar um romance com a música?
Sem o ter percebido, ao criar as minhas primeiras músicas, criei pequenas histórias em cada uma. Nas entrevistas que fui dando, era questionado acerca dessas histórias. Apercebi-me aí que a letra era uma qualidade distintiva da minha música. Pensei então em fazer um musical, usando essas histórias. Para tal, teria que criar uma coluna vertebral para a história. Depois de a criar, apercebi-me que tinha material para escrever um romance. Como sou músico, nunca me dissociei de incorporar a música no romance. A ideia sobre a forma de ligar estas duas artes surgiu a seguir, aproveitando a tecnologia e as soluções que entretanto surgiram.
– Vives da música?
Também, mas não só. Sou economista, já dei aulas na Universidade Católica, fui Diretor de Vendas de várias multinacionais de grande consumo. Hoje tenho as minhas companhias nesta área (representação de marcas internacionais de grande consumo), tanto em Portugal como em Espanha.
– Como defines este novo disco?
Em termos musicais, os novos temas refletem o que aprendi depois de lançar o primeiro CD. Não prescindindo da qualidade dos textos. No entanto, creio ter músicas com refrões mais fortes e assimiláveis. Não deixo de explorar ritmos e sonoridades que vou aprendendo a ouvir, tentando fundir estilos diferentes e experimentá-los na minha música, criando algo diferente. Sou adepto da simplicidade de processos na música e dos acordes naturais, pela reação do meu corpo às combinações que estes acordes podem criar.
– Qual a meta… vender muitos discos, vender livros tocar ao vivo, ou um apenas uma carreira total na música?
A minha principal meta é sentir-me bem comigo próprio. Sinto a exigência da vida em mim. Em determinados momentos, surge-me a ideia de fazer algo que considero diferente, novo. Num ato que só mais tarde considero de loucura despreocupada, tomo a decisão de não esperar para o fazer acontecer. Porque só mais tarde é que percebo o quão titânica era a tarefa com que me comprometi. Aí, numa decisão menos louca, entra a minha perseverança: a ideia é boa; percebo que o trabalho é gigantesco; mas com tempo e dedicação acabarei por realizá-lo. E avanço, sempre com a mesma ideia: a única forma de comer um elefante é às fatias. Peça por peça, vou montando um puzzle até chegar ao resultado final.
Em termos de carreira artística, não tenho um sonho definido. Vivo feliz com o que realizo e faço-o tão perto da perfeição quanto posso. Se o resultado desse trabalho for o sucesso em termos de vendas ou atuações, tanto melhor. Mas o mais importante mesmo é o sentimento de realização que consigo com o meu trabalho.
– Qual é o sonho para os próximos tempos?
Penso ter criado um trabalho realmente diferenciador a nível mundial. Gostava que tivesse continuidade. Que outros artistas seguissem esta nova via que, até hoje, não foi explorada. Acho lindo poder juntar duas artes. Acho que este caminho poderia ser aproveitado e perpetuado.
– O que achas do atual panorama da música em Portugal?
Qualquer negócio – e a música é-o, também – vive do seu potencial. Portugal é um país pequeno, o que de si é já uma limitação. E o pior é que está a encolher, no sentido em que a quantidade de pessoas que compram música diminuiu drasticamente nos últimos anos, com a proliferação dos downloads ilegais. As pessoas não se aperceberam da sua responsabilidade no decréscimo da aposta na música portuguesa. Sem vendas, não há dinheiro. Sem dinheiro, as editoras não investem na música. Sem investimento, não há incentivo à criação artística. Quem vive da música em exclusivo acaba por não ter rendimentos. Acaba por se tornar músico em part-time ou por desistir da música. Sem bons músicos, a criação artística diminui. A qualidade diminui também. Hoje em dia, a proliferação da música “descartável” é grande, porque requer pouco investimento, poucas horas de estúdio, pouco investimento em músicos de qualidade e, na minha opinião pessoal, pouco amor à música. Lançam-se para o mercado músicas iguais a todas as outras, porque o retorno de um investimento baixo é mais fácil de ter, não sendo necessário grande volume de vendas para o compensar.
– E dos canais de TV?
As TVs acabam por ser um pouco vítimas do que referi que se assiste no panorama musical português. Com a proliferação de música “fácil”, acabam – e falo genericamente, ressalvando honrosas exceções – por apoiar a música que há. Com a continuação da aposta nesta música “fácil”, acaba por se habituar o público a um padrão musical menos seleto, contribuindo negativamente para o desenvolvimento cultural do país.
– E dos sites de musica em Portugal?
Os sites de música conseguem fugir um pouco à realidade que aprisiona as TVs, precisamente por serem canais dedicados. Tendencialmente, cada site vive de um estilo próprio, com o seu público-alvo bem definido. A minha música não entrará em todos os sites, e ainda bem. Cada site consegue juntar uma comunidade com hábitos de música (ou leitura) similares, permitindo aos artistas de cada segmento promoverem-se de forma relativamente justa.
– Um pensamento para partilhar com os leitores!
Deixo um pensamento que acaba por ser o resumo do romance que escrevi: Passamos a vida à procura de contos de fadas. Mesmo que esses contos de fadas venham a acontecer, são efémeros. Durante o resto da nossa vida, viveremos na tempestade. Em vez de esperarmos que o mar acalme um dia, seremos mais felizes se aprendermos a viver na tempestade. Porque é ao dominarmos a tempestade que nos tornamos fortes. E aí, apesar de a tempestade existir, saberemos ser felizes. Até que o mar acalme, passa uma vida. Vida que não aproveitamos, se não percebermos isto.