A cena musical açoriana volta a ganhar destaque com o regresso dos KAKERLAKK e a edição do seu segundo álbum, “The Sound of Grief”, lançado a 18 de outubro de 2025.

Dois anos após o sucesso de “Overdue”, o novo trabalho confirma a maturidade artística do grupo e aprofunda uma identidade sonora marcada pela introspeção, pelo peso emocional e pela capacidade de transformar dor em criação musical. Mais do que um simples registo discográfico, este álbum representa o culminar de um percurso complexo, pontuado por pausas, regressos e renascimentos.
Criado originalmente por Carlos Matos em 2000 como um projeto a solo, KAKERLAKK deu primeiros passos decisivos em 2003, quando uma demo enviada à RDP-Açores levou à gravação de uma sessão ao vivo nos estúdios da estação, em Ponta Delgada. Na altura, a formação juntava nomes fundamentais para a génese da banda: André Gouveia no baixo, Alfredo Gago da Câmara na guitarra, Alberto Gago da Câmara na bateria e João Fraga nos teclados. Apesar da boa receção inicial, a banda entrou pouco depois numa pausa prolongada, interrompendo um desenvolvimento que parecia promissor.
Em 2011, Carlos Matos tentou reativar o projeto, voltando a reunir André Gouveia e trazendo para o grupo o guitarrista António Couto. Contudo, a morte súbita da mãe do fundador beneficiou uma suspensão inevitável, deixando a banda novamente em suspensão e adiando todos os planos. Só em 2023 surgiram as condições certas para a reconstrução. Matos voltou a juntar Gouveia e convidou o teclista e produtor Stepan Kobyakin, conhecido pelo seu trabalho ao lado dos IN PECCATVM. A entrada de Kobyakin tornou-se determinante, não só pela sua contribuição musical, mas também pela produção cuidada que garantiria nos StepKeys Studio, em São Miguel.
O renascimento da banda ganhou ainda maior visibilidade quando, em dezembro de 2023, KAKERLAKK fizeram a sua estreia televisiva no especial de Natal da RTP-Açores, interpretando “Another Fool” e “No Show”. Nessa fase, a formação incluía Carlos Matos (voz e guitarra), Álvaro Matos (baixo), Stepan Kobyakin (teclados), António Couto (guitarra) e João Bettencourt, que acabara de assumir a bateria. O impacto positivo deste momento levou o grupo a regressar à televisão no ano seguinte, desta vez no tradicional Natal dos Hospitais, onde apresentaram “Who Needs Love Anyway” e “Jekyll or Hyde”. Estes passos mostraram que KAKERLAKK estava preparado para uma nova fase criativa e pública.
“The Sound of Grief” surge, assim, como o resultado de um percurso marcado pela persistência e pelo regresso progressivo da banda à sua própria identidade. O álbum reúne Carlos Matos na voz e guitarra, André Gouveia no baixo, Stepan Kobyakin nos teclados e produção, António Couto na guitarra e João Bettencourt na bateria. A presença de Zeca Medeiros como convidado especial na faixa-título acrescenta densidade cultural e emocional ao disco, reforçando a ligação da banda às raízes açorianas e à expressão artística insular.
Este segundo álbum destaca-se pela sua atmosfera íntima e melancólica, construindo paisagens sonoras que oscilam entre o peso da perda e a clareza do autoconhecimento. A sonoridade mantém a base rock, mas incorpora elementos que revelam maior densidade e reflexão, com arranjos que desafiam a estrutura tradicional e exploram variações de intensidade para transmitir o tumulto emocional que inspira grande parte das composições. Os temas abordam a dor, a identidade e a transformação, sem recorrer ao dramatismo fácil, mas sim a uma maturidade que ecoa nas letras e na construção musical.
O primeiro single, “Every Time I Die”, lançado a 9 de dezembro de 2024, já indicava a orientação estética do álbum. Com uma interpretação carregada de sinceridade, o tema apresentou um lado confessional mais evidente e abriu o caminho para um disco onde a vulnerabilidade se transforma em força criativa. A receção ao single foi positiva e criou expectativas para o que seria o regresso pleno dos KAKERLAKK ao panorama musical português.
“The Sound of Grief” não é apenas um conjunto de canções; é uma narrativa. Cada faixa contribui para um percurso emocional claro, fazendo do álbum uma experiência coesa e não apenas uma coleção de momentos isolados. A produção de Kobyakin destaca-se pela atenção ao detalhe, utilizando camadas de teclados e ambientes sonoros que contrastam e complementam as guitarras, criando um equilíbrio entre peso e melodia que se torna distintivo do universo KAKERLAKK.
Depois de anos marcados por perdas pessoais e incertezas criativas, a banda afirma-se com este álbum como um projeto maduro, consciente do seu caminho e preparado para consolidar o seu espaço na música portuguesa. “The Sound of Grief” é, acima de tudo, um testemunho de resiliência e de transformação, onde cada nota reflete a história que trouxe os KAKERLAKK até aqui.
Com este lançamento, o grupo reafirma a sua relevância, mostrando que o tempo não diminuiu a sua capacidade de se reinventar e de tocar emocionalmente o público. É um regresso marcante, profundamente sentido e artisticamente sólido, que confirma o lugar dos KAKERLAKK na atual música nacional. O novo álbum posiciona-se como um dos trabalhos mais impactantes vindos dos Açores nos últimos anos, abrindo portas a que o nome da banda continue a crescer dentro e fora do arquipélago.


















