A ancestralidade não é apenas um conceito espiritual ou filosófico. É uma força viva, pulsante, que habita cada corpo e cada expressão cultural. É o fio invisível que liga gerações e mantém acesa a chama da identidade. Para o artista angolano Lindu Mona, nome artístico de Firmino Pascoal, a ancestralidade é o centro de gravidade da sua criação musical — uma ponte entre o passado e o futuro, entre a raiz africana e a modernidade global.

 

O Chamado da Ancestralidade

Nas tradições yorubás, os corpos carregam marcas que contam histórias. São vestígios da herança dos antepassados, muitas vezes ignorados por uma sociedade que impõe padrões e silencia a diversidade. Lindu Mona resgata essa dimensão invisível e transforma-a em som, ritmo e palavra. A sua música é um pedido de auxílio — um verdadeiro “voz de alarme” que clama por reconhecimento, respeito e reconciliação com as origens.

As dificuldades enfrentadas pelos povos africanos e afrodescendentes — desde desigualdades económicas até problemas de saúde — são ecos de uma história de opressão. Mas também são sinais de uma força resiliente. A cultura afro-brasileira e afro-lusófona não é mero adorno estético: é um património ancestral que resiste e floresce, ainda que muitas vezes dissociado da sua origem. Ao dar voz a essa herança, Lindu Mona propõe um reencontro com a verdade e a dignidade de um povo que moldou a música do mundo.

De Luanda ao Mundo: A Jornada de Lindu Mona

Nascido em Luanda, Angola, Firmino Pascoal iniciou a sua carreira musical ainda jovem. Com o nome artístico Lindu Mona, integrou grupos de rock sinfónico como Tantra e Perspectiva, colaborando também com nomes emblemáticos como o Duo Ouro Negro e Jorge Fernando no projeto Umbada.

Nos anos 1990, Lindu Mona seguiu o seu próprio caminho, fundando a editora Zoomusica e lançando álbuns marcantes como Rosa Afra (2002), Bantu (2010) e Kalunga (2023). Paralelamente, sob o nome Firmino Pascoal Artista, editou Milongo de Amor (2017) e Africano em Alfama (2019), celebrando o cruzamento de culturas entre Lisboa e Luanda.

A sua carreira internacional levou-o a palcos de Itália, Inglaterra e Portugal, com atuações em festivais como Sete Sóis Sete Luas, Maré de Agosto, e em cidades como Évora, Lisboa, Lagos, Viseu, Guarda e Figueira da Foz.

O seu som é inconfundível: uma fusão entre o afro, o tribal, o ancestral e o eletrónico, com texturas que evocam tanto os batuques tradicionais quanto as batidas modernas das pistas europeias. É música com alma e propósito — feita para sentir e pensar.

Resiliência e Diálogo Cultural: O Legado do Festival Musidanças

Em 2001, Firmino Pascoal deu um novo passo criativo ao fundar o Festival Musidanças, um espaço de encontro entre artistas dos países lusófonos. Na viragem do milénio, muitos músicos africanos residiam em Portugal, e Pascoal viu a oportunidade de criar uma ponte cultural que ultrapassasse fronteiras linguísticas e estéticas.

O festival tornou-se um laboratório intercultural, onde músicos, poetas e artistas plásticos exploraram as ambivalências da lusofonia. Para além da celebração artística, o Musidanças revelou-se um projeto de investigação social e etnomusicológica, analisado pelo investigador Bart Paul Vanspauwen, da Universidade Nova de Lisboa.

A conclusão é clara: a música é um veículo poderoso de transformação social e empatia. Quando culturas se unem pela arte, nasce um espaço de cura e reconhecimento mútuo.

“Muxima”: O Coração que Bate pela Humanidade

O mais recente trabalho de Lindu Mona, intitulado “Muxima”, será lançado a 29 de novembro pela Zoomusica, em parceria com o produtor DJ N.K..

A palavra Muxima, que significa “coração” em quimbundo, vai muito além do órgão físico. Representa o centro emocional e espiritual do ser humano — a fonte da vontade, da solidariedade e do amor. Inspirado na localidade homónima da província de Luanda, onde se ergue a histórica Fortaleza e a Igreja de Nossa Senhora da Muxima, o álbum é um tributo à hospitalidade e coragem do povo angolano.

Com sete faixas originais — duas inéditas e cinco revisitadas — o disco combina música ancestral e eletrónica contemporânea, explorando o antagonismo entre o sagrado e o profano, o tribal e o urbano. A produção conta com Pedro Cardoso (DJ N.K.), Ritta Tristany (direção vocal), Jorge Silva (teclados) e Vítor Carvalho (guitarras).

Mais do que um simples álbum, Muxima é um manifesto sonoro e visual: um “livro-disco” com arte gráfica de Alberto Kintas e artwork do próprio Lindu Mona, que desafia o ouvinte a sentir o pulsar da humanidade através da música.

Um Chamamento à Consciência Coletiva

“Possuir uma muxima poderosa e corajosa”, diz Lindu Mona, “é aspirar à verdadeira humanidade.”
E essa humanidade manifesta-se quando reconhecemos as nossas raízes, respeitamos a diversidade e celebramos as vozes que nos precederam.

Com uma carreira que une resiliência, espiritualidade e inovação sonora, Lindu Mona é mais do que um músico: é um guardião da memória coletiva. A sua obra recorda-nos que, num mundo cada vez mais fragmentado, o verdadeiro progresso só é possível quando olhamos para trás — e ouvimos o que os nossos antepassados ainda têm para nos dizer.