LUTA LIVRE, de Luís Varatojo, lança novo álbum “CONTRAFAÇÃO”

Vivemos tempos de contrafação. Uma era marcada pela falsificação de factos, pela manipulação da verdade e pela diluição da autenticidade. Em plena sociedade da informação, o que recebemos, na maioria das vezes, é desinformação. Vídeos amadores de 30 segundos, discursos inflamados de líderes empresariais e políticos, e uma avalanche de conteúdos superficiais moldam a perceção coletiva. Procuramos substância e encontramos artefactos. Somos empurrados para um consumo acelerado, acrítico, onde pensar e questionar se tornaram atos de resistência.

A Cultura da Imitação e a Perda da Identidade

A sociedade contemporânea parece ter abraçado a estética do “fake”, do “low cost” e do “souvenir”. A autenticidade deu lugar à imitação técnica, à reprodução de fórmulas que prometem sucesso rápido e validação social. A cultura, a cidadania e o pensamento crítico são frequentemente descartados como entraves ao progresso. Em seu lugar, instala-se uma lógica de obediência e servidão, onde o cidadão é reduzido a consumidor e espectador passivo.

Este cenário é agravado por uma nostalgia fabricada, vendida em pacotes turísticos e festivais temáticos. As vilas e cidades transformam-se em parques de diversões, onde a tradição é encenada para agradar ao olhar estrangeiro. A gastronomia local é falsificada, a saudade é roteirizada, e a alma nacional é comercializada em casas de fado e restaurantes de fachada.

A Memória Coletiva em Risco

Já fomos um povo de aventureiros, idealistas, anarquistas e solidários. Lutámos por Timor, resistimos à ditadura, fizemos uma revolução com cravos. Mas essa memória parece esmorecer diante da avalanche de conteúdos descartáveis e da cultura do esquecimento. A história é reescrita em memes, a política é reduzida a slogans, e a cidadania é substituída por likes.

Neste contexto, a fé — não necessariamente religiosa — surge como último refúgio. Acreditamos em messias modernos, decoramos homilias mediáticas, e agradecemos à providência por uma vida simples, desprovida de cultura e reflexão. A alienação é disfarçada de humildade, e a ignorância é promovida como virtude.

 

“Contrafação”: A Trilha Sonora da Desilusão

É neste cenário que surge “Contrafação”, o terceiro álbum da banda portuguesa Luta Livre. Sucedendo os trabalhos “Técnicas de Combate” (2021) e “Defesa Pessoal” (2023), este novo disco é um manifesto musical contra a adulteração da realidade. Com dez faixas de escárnio e maldizer, o álbum retrata as aventuras e desventuras de um português em Portugal — um retrato ácido, mas necessário, da nossa condição atual.

As canções de “Contrafação” são simples, de melodia fácil, acompanhadas por guitarra e sintetizador. Não se encaixam em rótulos: não são acústicas nem elétricas, modernas nem tradicionais, eruditas nem populares. São, acima de tudo, livres de artefactos e hipertensão. Entre os estilos, há um fado imperfeito, uma morna agradecida, um corridinho irreverente, um malhão provocador, uma balada de redenção, duas canções de amor e até uma oração.

 

Música como Ferramenta de Consciência

A proposta estética da Luta Livre é clara: provocar, questionar, despertar. Em vez de seguir tendências, o grupo opta por confrontá-las. Em vez de buscar o sucesso fácil, prefere a honestidade artística. “Contrafação” não é apenas um álbum — é um grito de alerta, um convite à reflexão, uma tentativa de resgatar a autenticidade perdida.

A música, neste contexto, assume um papel político e social. Torna-se veículo de crítica, resistência e memória. Ao escutar “Contrafação”, o ouvinte é desafiado a reconhecer-se nas letras, a confrontar as suas próprias contradições e a repensar o seu lugar no mundo.

A Importância da Cultura na Era da Pós-Verdade

Num tempo em que a verdade é relativizada e a informação é manipulada, a cultura torna-se essencial. Mais do que entretenimento, ela é ferramenta de emancipação. Através da arte, podemos recuperar a capacidade de pensar, de sentir, de agir. Podemos reconstruir narrativas, resgatar memórias e imaginar futuros alternativos.

“Contrafação” é, assim, um exemplo de como a música pode ser mais do que produto: pode ser protesto, poesia, provocação. Num país onde a alegria é muitas vezes usada como anestesia social — “porque tristezas não pagam dívidas” —, a arte que incomoda é mais necessária do que nunca.

 

Entre a Falsificação e a Esperança

A era da contrafação desafia-nos a escolher entre a comodidade da imitação e a coragem da autenticidade. Podemos continuar a consumir fórmulas prontas ou podemos criar novas formas de estar, pensar e sentir. Podemos ser vítimas da desinformação ou agentes da transformação.

A Luta Livre, com o seu novo álbum, escolheu o segundo caminho. E convida-nos a fazer o mesmo. Porque, no fim, a verdadeira revolução começa quando deixamos de imitar e começamos a criar.