Com o lançamento de “Vejo Tudo Morrer”, MARLA aprofunda a estética sombria e visceral que tem marcado o seu percurso no pop noir português. O novo videoclipe, carregado de tensão emocional, voyeurismo e uma força cinematográfica rara no panorama nacional, afirma um capítulo decisivo na construção da sua identidade artística. Nesta conversa, a artista abre as portas ao processo criativo, às influências e às intenções que dão vida a uma obra que desafia convenções e convida o público a olhar para o que normalmente permanece oculto.

 

 

Vejo Tudo Morrer” marca um dos seus capítulos visuais mais intensos. O que a levou a explorar esta dimensão mais visceral e obscura neste novo videoclipe?
Era o momento certo para criar uma imagem que acompanhasse o peso dos temas. Quis algo sedutor, mas proibido, que desse ao espectador a sensação de uma intrusão permitida.

Como descreve o processo criativo por detrás da colaboração com Bruno Celta e a forma como juntos desenvolveram esta narrativa tão cinematográfica?
Quando eu e o Bruno Celta, meu diretor musical e criativo, começámos a trabalhar no tema, percebemos que seria o mote perfeito para explorar aquilo que não mostramos: o reprimido, o não aceite, o que guardamos no subconsciente. A intensidade da letra e da música encaminhava-nos para esse território. O Bruno visualizou tudo desde o início e conseguiu materializar exatamente o que imaginámos. Não poderia estar mais satisfeita.

O videoclipe trabalha muito a tensão entre voyeurismo, desejo e desconforto. Que mensagem ou emoção pretende que o público leve consigo após assistir?
Aprendi que cada obra funciona como uma espécie de teste de Rorschach. Cada pessoa deve ter liberdade para se projetar e interpretar o que sentir. Gosto de deixar isso em aberto e fico genuinamente curiosa com as reações.

Em que medida este lançamento representa uma evolução do seu percurso dentro do pop noir português?
Não sei se é uma evolução, mas é certamente uma forte demarcação. Não há muitos vídeos como este no panorama nacional. Queremos mostrar que não seguimos modelos existentes e que MARLA traz algo novo a um universo que, por vezes, parece circular entre os mesmos estilos. Há mais na música portuguesa.

A crítica tem comparado o seu trabalho a artistas como PJ Harvey ou Chelsea Wolfe. Sente essas referências na sua construção artística?
Não pensei nelas durante o processo criativo, e acredito que o Bruno também não. As minhas referências estavam mais próximas de Nick Cave, Nine Inch Nails ou Marilyn Manson. Ainda assim, quando surgiram ligações a PJ Harvey ou Chelsea Wolfe, percebi a lógica e senti-me profundamente honrada.

A sua estética visual é muito consistente. Como é que a imagem influencia a composição musical e vice-versa?
A minha imagem foi sendo construída ao longo do tempo. Fico feliz por ser vista como consistente, porque foi pensada ao detalhe. Sinto que influencia sobretudo a minha performance em palco, onde visto totalmente a pele da personagem.

“Vejo Tudo Morrer” surge como uma extensão temática de Sombra & Sangue. Existe uma ligação conceptual direta entre o álbum e o videoclipe?
O álbum explora ambientes mais sombrios e emocionalmente densos. “Vejo Tudo Morrer” funciona como o manifesto de uma personagem mais caotic neutral, alguém que simplesmente existe e se permite sentir enquanto tudo se desmorona.

Em vários temas, a sua voz assume uma intensidade quase hipnótica. Como trabalha essa interpretação emocional em estúdio e ao vivo?
Em estúdio, o Bruno é excecional a captar boas interpretações e valoriza registos autênticos, sem recorrer a auto tune. Ao vivo, deixo simplesmente o impulso emocional guiar-me. A intensidade acontece de forma natural.

O lado cinematográfico é uma marca forte do seu trabalho. Que realizadores ou movimentos visuais influenciam o seu universo estético?
Sou muito influenciada por David Lynch, Christopher Nolan e Cronenberg. O Bruno também tem o seu conjunto de referências e, juntos, chegamos sempre a uma visão comum para os vídeos.

Sente que o público português está mais recetivo a sonoridades sombrias e estéticas não convencionais?
Ainda estamos um pouco atrás de outros países nesse aspeto. Existem subculturas e grupos que apreciam este estilo, mas o underground e o alternativo continuam a enfrentar maiores desafios para se afirmarem.

Qual considera ser o maior desafio de construir e manter uma identidade artística tão vincada?
Sou bastante camaleónica e tenho tendência para seguir impulsos e mudar rapidamente. O trabalho com o Bruno tem-me ensinado a esperar, a manter uma linha coerente e a ser consistente. Provavelmente já teria criado cinco imagens diferentes se estivesse sozinha.

Que novas direções imagina explorar futuramente, tanto musical como visualmente, após este capítulo inaugurado por “Vejo Tudo Morrer”?
A porta está aberta para todas as possibilidades. Enquanto houver criatividade, o caminho é infinito.