Em março de 2025, Lisboa será palco de uma experiência singular de arte e contemplação. O artista e fotógrafo Daniel Blaufuks apresenta “Tentativa de Esgotamento (Depois do Adeus)”, uma obra que se prolonga de forma poética e meditativa a partir de uma exposição-performance realizada entre 15 e 29 de março de 2025, num segundo andar da Avenida Visconde de Valmor, em Lisboa.

O projeto, profundamente pessoal e filosófico, explora a passagem do tempo, o olhar quotidiano e a beleza das repetições mínimas que compõem a vida.
Inspirado no clássico “Tentativa de Esgotamento de um Local Parisiense” (1974), de Georges Perec, Blaufuks propõe uma releitura contemporânea e intimista. Se Perec observava o movimento incessante de uma praça parisiense, Blaufuks vira o olhar para dentro — para o espaço doméstico, silencioso e imóvel de uma cozinha lisboeta. É nesse interior, entre a mesa e a janela, que o artista constrói uma narrativa visual e poética que atravessa dezasseis anos de observação contínua, de 2009 a 2025.
Entre o quotidiano e o infinito: o olhar paciente de Blaufuks
“Entre 2009 e 2025, fotografei uma mesa e a janela na minha cozinha em Lisboa”, escreve o artista. Essa frase, que abre o livro, resume a essência do projeto: a persistência do olhar e a atenção ao banal. O gesto repetitivo de fotografar o mesmo cenário, sob luzes e estações diferentes, transforma o trivial em revelação.
Blaufuks confessa ter sido, num primeiro momento, atraído pelo silêncio e pela luz, dois elementos centrais na sua obra fotográfica. Aos poucos, a rotina transformou-se num ritual de observação. Cada objeto — um copo, uma flor, um jornal esquecido — ganha peso simbólico, tornando-se vestígio de um tempo que passa e se acumula em camadas de memória.
A cozinha, esse espaço do íntimo e do quotidiano, converte-se num refúgio do mundo exterior. É ali que Blaufuks encontra apaziguamento e pensamento, uma espécie de resistência à velocidade do tempo contemporâneo.
Ao contrário de Perec, que via desfilar diante dos seus olhos a vida urbana, Blaufuks encara o quase-nada: janelas translúcidas onde nada acontece, mas onde tudo se transforma subtilmente. É um esgotamento da própria ideia de acontecimento, uma meditação sobre o vazio e a permanência.
Depois do adeus: o tempo como matéria artística
O subtítulo “Depois do Adeus” não é acidental. Evoca, inevitavelmente, a canção portuguesa de 1974 associada à Revolução dos Cravos — um momento de rutura e renascimento. Mas aqui, a expressão assume um tom pessoal e melancólico: o adeus como separação, o depois como espera.
Blaufuks, cuja obra frequentemente se relaciona com a memória, o esquecimento e o arquivo, parece propor uma reflexão sobre o que permanece depois do fim — seja o fim de um dia, de uma época ou de uma experiência pessoal.
Entre fotografias, textos e fragmentos visuais, o livro e a instalação constroem uma narrativa que é tanto visual quanto filosófica. As imagens, aparentemente estáticas, dialogam com a passagem das horas, das estações, das condições atmosféricas. Cada diferença mínima — a sombra que muda, a fruta que apodrece, o jornal que se substitui — é um lembrete da impermanência das coisas.
Uma experiência entre a arte e a literatura
A exposição de “Tentativa de Esgotamento (Depois do Adeus)” não se limita à observação passiva. Durante duas semanas, entre 14h de 15 de março e 19h de 29 de março de 2025, o público é convidado a partilhar o espaço onde o artista trabalhou e refletiu. Trata-se de uma imersão temporal, onde o visitante se torna testemunha de um processo contínuo — quase meditativo — de documentação e contemplação.
Essa dimensão performativa aproxima o projeto da arte conceptual e da literatura experimental, herdeiras de Perec, Barthes ou mesmo do cinema de Chantal Akerman. Blaufuks, que há décadas explora a fronteira entre fotografia e narrativa, reafirma aqui a sua capacidade de transformar o banal em revelação estética.
O eco de uma Lisboa interior
Lisboa, cenário recorrente na obra de Daniel Blaufuks, surge aqui não como cidade exterior, mas como paisagem interior. A luz que atravessa a janela da cozinha é a mesma luz da cidade — difusa, melancólica, mutável. Ela liga o dentro e o fora, o pessoal e o coletivo.
Em tempos de excesso de imagens e de velocidade, Blaufuks propõe uma estética da lentidão, um regresso ao olhar atento. O seu trabalho convida o público a ver de novo o que está diante dos olhos — a redescobrir o silêncio das coisas.
Conclusão: o valor do quase-nada
“Tentativa de Esgotamento (Depois do Adeus)” é uma meditação sobre o tempo, o olhar e a persistência. Mais do que um livro de fotografia, é um ensaio visual sobre a repetição e a diferença, sobre o modo como o quotidiano contém, em si, a totalidade da experiência humana.
Daniel Blaufuks mostra-nos que o esgotamento não é o fim, mas um recomeço — um espaço de atenção radical, onde o insignificante ganha densidade e sentido.
Com esta obra, o artista reafirma o seu lugar como uma das vozes mais consistentes da arte contemporânea portuguesa, explorando o território onde a fotografia se encontra com a literatura, a memória e o tempo.


















