Depois do fado reinventado de Fado Urbano e do rock rebelde de Som Eléctrico, o musicaTotal.net lança a terceira edição da sua série de banda desenhada dedicada à música portuguesa original.

Chama-se “Ritmo Digital”, e é uma viagem vibrante aos anos 90, uma década marcada por transformações profundas: o aparecimento da Internet, o CD a substituir a cassete, a televisão a moldar ídolos e a música portuguesa a descobrir o seu som global.
A nova protagonista é Inês Duarte, uma jovem DJ e produtora de Setúbal, que simboliza uma geração sem medo de misturar estilos — entre o pop, a eletrónica, o hip hop e o rock alternativo.
Se as décadas anteriores foram marcadas por revolução e descoberta, os anos 90 representam a experimentação, a modernidade e o nascimento de uma indústria musical consciente do seu poder cultural e económico.
Inês Duarte: A Nova Linguagem do Som
Inês é uma personagem diferente das anteriores heroínas. Enquanto Mariana Luz cantava o fado urbano e Rita Fonseca tocava rock em armazéns, Inês é filha da era digital, onde o computador e o vinil coexistem no mesmo estúdio.
A história começa em 1993, numa garagem transformada em estúdio improvisado, onde Inês e os amigos passam noites inteiras a gravar loops e samples com um velho sampler Akai. O seu sonho é criar algo novo — uma batida portuguesa, urbana e eletrónica.
“Quero um som que faça dançar o país inteiro”, diz Inês numa das primeiras páginas.
E esse som começa a surgir: mistura de ritmos africanos, samples de fado, batidas de drum’n’bass e poesia urbana.
Ela chama-lhe “ritmo digital” — uma identidade híbrida, uma ponte entre o analógico e o moderno, entre o local e o global.
O Contexto: Portugal em Movimento
A década de 1990 é retratada na banda desenhada como uma era de energia e transformação. O país entra na União Europeia, Lisboa acolhe a Expo 98, e as rádios e televisões multiplicam novos sons e programas.
O pop português ganha brilho com nomes como Delfins, Santos & Pecadores, GNR, Pedro Abrunhosa e Da Weasel, enquanto emergem novas formas de produção musical e estética urbana.
“Queríamos mostrar como a música dos anos 90 refletia o otimismo da época”, explica João Ribeiro, editor da série. “Era uma altura em que tudo parecia possível. As pessoas acreditavam na mudança — e a música acompanhava esse entusiasmo.”
Ritmo Digital captura esse espírito: o do país que começa a exportar cultura, que liga os cabos de som ao futuro, que aprende a dançar a sua própria batida.
Do Underground ao Mainstream
A narrativa acompanha Inês Duarte ao longo de quase uma década. No início, ela é uma DJ desconhecida, tocando em festas alternativas de Setúbal. Aos poucos, começa a ser convidada para clubes de Lisboa, onde o público vibra com o seu som.
O guião, escrito por Rita Gonçalves, equilibra humor e drama, explorando as tensões entre o underground e o sucesso comercial.
“Quando te ouvem numa discoteca, és a novidade. Quando te passam na rádio, és o produto.” — diz um amigo de Inês.
“E se for possível ser os dois?” — responde ela.
O conflito entre integridade artística e visibilidade pública é um tema central — refletindo o dilema real vivido por muitos artistas da época, entre a estética indie e a explosão da pop televisiva.
A Cena Eletrónica Portuguesa: Um Mundo a Descobrir
A partir de 1995, o enredo mergulha no crescimento da música eletrónica portuguesa, inspirada pela cena europeia mas com ADN local.
O cenário é o Lux e o Alcântara-Mar, mas também os pequenos clubes de bairro onde o techno, o house e o trip-hop começavam a ecoar.
Inês torna-se uma figura de ligação entre mundos: colabora com rappers, produtores e vocalistas de fado, criando uma sonoridade própria que desafia classificações.
“Ela é o espelho da fusão cultural dos anos 90”, explica a argumentista. “Portugal estava finalmente a ouvir-se de forma plural — e a misturar-se sem medo.”
Nas páginas da BD, os painéis alternam entre sequências de DJ sets, bastidores de festivais e momentos introspectivos, em que Inês reflete sobre o poder do som para unir pessoas.
O Visual: Da VHS à Estética Cyberpunk
O ilustrador Diogo Ferreira, que regressa à equipa depois de ter desenhado Fado Urbano, traz uma estética completamente diferente para esta edição.
“As décadas anteriores tinham tons orgânicos. Os 90 são digitais — neon, cromo, brilho de CD, glitch. Quisemos que o leitor sentisse a vibração tecnológica”, explica.
A arte é marcada por contrastes fortes, luzes artificiais e colagens de elementos gráficos inspirados em revistas, capas de discos e videoclipes da época.
Cada página tem a textura de uma cassete VHS — com ruído visual e saturação intensa. A paleta cromática alterna entre os azuis metálicos e os roxos elétricos, evocando tanto a noite lisboeta como o ecrã de um computador antigo.
O resultado é uma banda desenhada que parece pulsar ao ritmo de uma batida digital.
Entre a Tradição e a Reinvenção
Um dos momentos mais marcantes da BD é quando Inês cria uma faixa que mistura um sample de Amália Rodrigues com batidas de drum’n’bass.
A cena é visualmente poderosa: a voz da fadista surge desenhada como ondas sonoras que se fundem com cabos e circuitos eletrónicos.
O título da faixa? “Saudade Digital.”
“Não estou a roubar o fado — estou a conversá-lo”, diz Inês a um produtor cético.
Esse diálogo encapsula o tema central da obra: a continuidade cultural através da reinvenção.
Assim como Mariana Luz reinventou o fado e Rita Fonseca redefiniu o rock, Inês Duarte representa a música portuguesa a entrar no século XXI — sem medo de se modernizar.
O Som da Mudança
Na parte central da história, Inês começa a ganhar reconhecimento. Toca no Porto, em Coimbra e no Algarve, é entrevistada por programas de rádio e participa em festivais emergentes.
O ponto alto da narrativa é o concerto na Expo 98, onde Inês atua no palco das Nações perante milhares de pessoas.
A vinheta mostra um mar de luzes, bandeiras e sorrisos.
“O som é português, mas o mundo está a ouvi-lo.”
Esse momento é tanto simbólico quanto histórico: o país abre-se ao mundo, e a música torna-se um cartão de visita cultural.
Crise e Recomeço
Como nas edições anteriores, há espaço para o lado humano. O sucesso traz pressões, contratos, manipulações da indústria e perda de autenticidade.
Inês começa a questionar-se:
“Quando é que deixei de ouvir o som e comecei só a vender o ruído?”
O terceiro ato da BD mostra-a a isolar-se num estúdio à beira-mar, em Tróia, onde grava o seu primeiro álbum independente. É o renascimento criativo — longe das luzes, mas fiel ao espírito inicial.
O disco chama-se “Ritmo Digital”, o mesmo título da banda desenhada, e simboliza a reconciliação entre arte e tecnologia.
Um Retrato Cultural dos 90
Além da narrativa musical, Ritmo Digital retrata o quotidiano da década: as roupas coloridas, os telemóveis enormes, os programas de televisão, as revistas juvenis e a chegada da Internet.
Há referências subtis à política, à cultura pop e até à publicidade da época, que moldou uma geração.
O leitor reconhece o país: os cafés cheios de fumo, os CDs nas bancas, os primeiros downloads, o entusiasmo de quem acreditava no futuro.
“Foi uma década inocente e ambiciosa”, resume o editor João Ribeiro. “E essa energia está toda no papel.”
O Impacto do Projeto
Com esta terceira edição, o projeto Música Portuguesa Original consolida-se como uma das mais criativas iniciativas de fusão entre banda desenhada e cultura musical em Portugal.
As duas primeiras edições — Fado Urbano e Som Eléctrico — já são estudadas em escolas e elogiadas por críticos pela forma como aproximam gerações através da música e da imagem.
“Queremos mostrar que a história da música portuguesa é também uma história de inovação, de coragem e de emoção”, diz Ribeiro. “Cada década tem o seu som, mas todas têm o mesmo coração.”
O Lado Multimédia: Do Papel ao Ecrã
Ritmo Digital expande ainda mais a componente transmedia:
A BD terá uma versão animada curta lançada nas redes sociais;
A banda sonora, composta por artistas contemporâneos inspirados nos anos 90, incluirá remixes de clássicos;
E o site musicaTotal.net apresentará entrevistas, playlists e artigos históricos sobre a década.
O projeto ganha assim uma dimensão total — leitura, audição e interação — refletindo o espírito digital da época retratada.
Um Legado de Som e Identidade
Inês Duarte encerra a BD com uma frase que resume todo o ciclo iniciado com Mariana Luz:
“O futuro da música portuguesa não é voltar atrás — é continuar a misturar.”
A última página mostra-a a tocar num pequeno festival à beira-mar, com o mar a refletir luzes azuis e a batida do baixo a ecoar na noite.
O país mudou. A música mudou. Mas a alma continua a mesma: portuguesa, criativa, viva.
Conclusão:
Com Ritmo Digital, o musicaTotal.net oferece mais do que uma nova edição — oferece um retrato geracional, um manifesto artístico e uma celebração da evolução cultural de Portugal.
A trilogia mostra um país em som contínuo:
Mariana Luz — a voz do passado que encontra o futuro no fado urbano.
Rita Fonseca — a energia elétrica do rock da liberdade.
Inês Duarte — o ritmo digital que abre as portas do século XXI.
Cada uma representa uma década, uma fase, um compasso da mesma melodia: a da criatividade portuguesa.


















