Depois de quase cinco décadas de serviço à comunicação social, Sidónio Bettencourt despediu-se da RTP Açores e da Antena 1 Açores, iniciando uma nova fase da sua vida: a merecida reforma.

 

A saída de um dos nomes mais emblemáticos da rádio açoriana encerra um capítulo de ouro da história dos media regionais. A sua voz, presença e influência atravessaram gerações, ligando as ilhas entre si e os Açores ao mundo.

Uma vida dedicada à rádio e à cultura açoriana

Sidónio Bettencourt nasceu em 1955, na freguesia dos Arrifes, em Ponta Delgada, mas a sua identidade está profundamente ligada à ilha do Pico, de onde provém a sua família. Filho de um baleeiro, cresceu entre histórias do mar, tradições açorianas e um sentido de pertença que marcou toda a sua obra e percurso profissional. Desde cedo, mostrou interesse pela comunicação e pela cultura. O som da rádio fascinava-o, e esse fascínio tornou-se vocação.

Em 1976 iniciou oficialmente a sua carreira na RDP Açores, numa altura em que a rádio regional dava os primeiros passos como voz de uma autonomia recém-nascida. O jovem Sidónio depressa se destacou pela capacidade de comunicar com empatia, rigor e sensibilidade. A rádio era o seu palco e o microfone, a sua ferramenta de ligação com o público.

A voz das ilhas e da diáspora

Ao longo dos anos, Sidónio Bettencourt foi muito mais do que um jornalista. Tornou-se um verdadeiro elo entre as comunidades açorianas espalhadas pelo mundo. Na Antena 1 Açores, deu vida a programas como Interilhas, que durante mais de duas décadas acompanhou o dia-a-dia dos açorianos, abordando temas de cultura, sociedade e identidade.

Na televisão, apresentou o programa Atlântida, emitido pela RTP Açores, RTP Madeira e RTP Internacional. Através dele, levou o som e a imagem das ilhas a milhares de lares, incluindo os da diáspora açoriana no Canadá, Estados Unidos e Brasil. Com o seu estilo sereno e linguagem genuína, tornou-se uma referência para quem procurava uma comunicação próxima, humana e enraizada.

O seu contributo foi essencial para consolidar a presença da RTP Açores e da Antena 1 Açores como pilares da cultura e informação regional. Mais do que informar, Sidónio contava histórias. E cada história era contada com respeito, emoção e amor pelas ilhas.

Escritor, poeta e homem de cultura

Para além do microfone, Sidónio Bettencourt cultivou uma sólida carreira literária. É autor de vários livros de poesia e prosa poética, como Deserto de Todas as Chuvas (2000), Já Não Vem Ninguém (2010) e Baleeiros em Terra (2025). A sua escrita reflete a alma açoriana: o mar, a distância, a saudade e a força interior de quem habita num território de vulcões e ventos.

A sua ligação à cultura vai ainda mais longe. Foi um dos fundadores e dinamizadores da Semana dos Baleeiros nas Lajes do Pico, evento que celebra a memória da baleação e a identidade cultural do povo picoense. A dedicação às tradições, à língua e à memória coletiva transformaram-no numa figura central da cultura açoriana contemporânea.

A passagem pela política e o compromisso com o serviço público

Entre 1996 e 2000, Sidónio Bettencourt integrou a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores como deputado. Contudo, sempre deixou claro que a política foi uma breve passagem — o seu verdadeiro compromisso estava na comunicação e no serviço público.

Durante quase cinquenta anos, manteve-se fiel à missão de informar e dar voz aos açorianos. Como subdiretor de “Meios e Conteúdos” da RTP Açores, contribuiu para a modernização dos meios públicos regionais e para o fortalecimento do jornalismo local, sempre com foco na credibilidade e na proximidade com as pessoas.

Reconhecimento e legado

Ao longo da carreira, Sidónio Bettencourt recebeu diversas distinções por mérito profissional e cultural. Entre os mais relevantes está o Troféu Portugalidade, atribuído em 2018 pela Gala “Audiência”, que reconheceu o seu papel como defensor da identidade açoriana e promotor da cultura insular dentro e fora do arquipélago.

Mas mais do que prémios, o seu verdadeiro legado é a influência que exerceu em várias gerações de jornalistas e comunicadores. Muitos profissionais que hoje integram a RTP Açores e a Antena 1 Açores consideram Sidónio um mestre e exemplo de ética, sensibilidade e amor pela profissão.

O adeus à RTP Açores e Antena 1

Em novembro de 2025, Sidónio Bettencourt anunciou a sua despedida da RTP Açores e da Antena 1 Açores, encerrando oficialmente uma carreira de quase cinco décadas. A decisão foi recebida com emoção por colegas, ouvintes e telespectadores. A estação homenageou-o com uma emissão especial, relembrando momentos marcantes, entrevistas memoráveis e a sua inconfundível voz.

Com serenidade e gratidão, Sidónio declarou que chegou o momento de “abrir espaço para novas vozes”, afirmando que deixa a rádio “com o coração cheio e a alma em paz”. Agora, pretende dedicar-se à escrita, à família e ao regresso às origens, entre o Pico e São Miguel, onde sempre se inspirou.

O fim de uma era, o início de outra

O adeus de Sidónio Bettencourt representa o fim de uma era para a comunicação social açoriana. Numa altura em que a rádio enfrenta desafios de modernização e transição digital, a sua saída simboliza a passagem de testemunho para uma nova geração de comunicadores.

Ainda assim, o seu exemplo perdurará. A forma como deu voz às ilhas e aproximou comunidades continuará a servir de referência para todos os que acreditam que comunicar é também servir. Sidónio Bettencourt deixa os microfones, mas a sua voz permanecerá — gravada nas memórias e nos corações de quem, durante tantos anos, se deixou guiar por ela através das ondas da rádio.